sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Recordando Marcello Caetano

" Fico perfeitamente siderado quando vejo constitucionalistas a dizer que não há qualquer problema constitucional em decretar uma redução de salários na função pública. Obviamente que o facto de muitos dos visados por essa medida ficarem insolventes e, como se viu na Roménia, até ocorrerem suicídios, é apenas um pormenor sem importância. De facto, nessa perspectiva a Constituição tudo permite. É perfeitamente constitucional confiscar sem indemnização os rendimentos das pessoas. É igualmente constitucional o Estado decretar unilateralmente a extinção das suas obrigações apenas em relação a alguns dos seus credores, escolhendo naturalmente os mais frágeis. E finalmente é constitucional que as necessidades financeiras do Estado sejam cobertas aumentando os encargos apenas sobre uma categoria de cidadãos. Tudo isto é de uma constitucionalidade cristalina. Resta acrescentar apenas que provavelmente se estará a falar, não da Constituição Portuguesa, mas da Constituição da Coreia do Norte.É por isso que neste momento tenho vontade de recordar Marcello Caetano, não apenas o último Presidente do Conselho do Estado Novo, mas também o prestigiado fundador da escola de Direito Público de Lisboa. No seu Manual de Direito Administrativo, II, 1980, p. 759, deixou escrito que uma redução de vencimentos "importaria para o funcionário uma degradação ou baixa de posto que só se concebe como grave sanção penal". Bem pode assim a Constituição de 1976 proclamar no seu preâmbulo que "o Movimento das Forças Armadas [...) derrubou o regime fascista". Na perspectiva de alguns constitucionalistas, acabou por consagrar um regime constitucional que permite livremente atentar contra os direitos das pessoas de uma forma que repugnaria até ao último Presidente do Estado Novo.Diz o povo que "atrás de mim virá quem de mim bom fará". Se no sítio onde estiver, Marcello Caetano pudesse olhar para o estado a que deixaram chegar o regime constitucional que o substituiu, não deixaria de rir a bom rir com a situação."
By Luis Menezes Leitão, professor da Faculdade de Direito de Lisboa

8 comentários:

Carlos Romeira disse...

Sendo este um assunto pertinente, e de carácter importante ao país e à sociedade em geral, e tendo eu um ponto de vista diferente do Prof. Luis Menezes Leitão, que o ilustre administrador de "O Moinho" me permita inserir este "post", que publiquei num outro local (não interessa qual, pois a intenção será enriquecer este interessante Blog).
Perdoem-me a longa intervenção, que está dividida em três partes, mas como referi, vale a pena meditar sobre outras formas de pensar.

Porque é que os subsídios de Natal deveriam acabar!...

– Parte 1 –

sociedade nacional. Se mais uma vez, quem executa peca por falta de diálogo, estando certos de que pelo poder que lhes é conferido, não tem que dar explicações a ninguém, por outro lado, a maioria da população peca por pensar mais com o coração do que com a cabeça, efectuando comentários tão desnorteados da realidade que acabam por perder o sentido e toda a razão que poderiam em princípio argumentar.

Quando pergunto no meu círculo de amigos se concordam ou não com a retirada (ou diminuição) dos subsídios de Natal, todos são unânimes em concordar que são contra. Depois vem a pergunta fatal: porque é que são contra? A maioria justifica que por ganharmos tão pouco, o facto de nos ser retirado parte do subsídio de Natal, é um roubo!! Bem… acabam todos por não me responder à questão efectuada. Eu não pretenderia saber se ganhamos muito ou pouco, porque acerca desse tema teríamos muito mais a conversar, e com certeza que me colocaria do lado dos que pensam que de facto em Portugal os salários são muito baixos.

A questão passa pela justiça ou não em se obrigar as Empresas que não usufruem de rendimentos a dobrar nos meses de Junho e Novembro, a terem despesas duplicadas com salários durante os mesmos meses. Como sabemos, hoje uma das parcelas mais significativas nos orçamentos das Empresas é
exactamente a mão de obra. Será que é justo, ou mesmo inteligente, perante a conjuntura actual, continuar com o mesmo procedimento?

Os tempos estão a mudar! Daqui a uns anos vai-se estudar nas Universidades o período negro que existiu por altura da revolução tecnológica e informática, com as invenções dos comércios electrónicos, serviços automatizados e de autogestão, em que se teve a necessidade de mudar dos modelos sociais, pós revolucionários, que beneficiavam as classes trabalhadoras, para os modelos mais concordantes o coerentes com os lucros efectivos das Empresas. Em suma, teremos que nos convencer de que vamos passar a ganhar apenas conforme aquilo que produzimos. Os países mais avançados e com melhor nível devida do Mundo já o fazem há anos, e os Estados europeus que possuem as políticas económicas mais sóbrias também o estão a começar a fazer.

Em relação ao sector público, aquele que é o protagonista principal em toda esta matéria, também não se poderão exigir ao tesouro nacional, despesas a dobrar nos meses em que a receita pública também não é a dobrar. Quanto muito, haveria um pequeno aumento nas vendas de Natal, embora os IVAs apenas fossem liquidados dali a três meses.

Carlos Romeira disse...

Porque é que os subsídios de Natal deveriam acabar!...

– Parte 2 –

Não quero com isto afirmar que não estou solidário com a maioria das famílias que esperavam pelos subsídios de Natal para equilibrarem as contas dos seguros dos carros, empréstimos das casas, os cartões de crédito. Mas mais uma vez estamos a ridicularizar o verdadeiro problema. Que tipo de sociedade temos que chegámos ao ponto de obrigar as pessoas a usarem um subsídio que supostamente seria para comprar uns presentes de Natal e um perú para a
mesa, para fazer face às despesas que deveriam ser comportadas pelo salário mensal regular?

Será que não há direito a salários dignificantes? Porque é que não se reclama por salários dignos, que garantam a qualidade de vida prevista na Constituição da República Portuguesa, com a mesma veemência que se observa quanto aos subsídios de Natal? Talvez porque se passou a institucionalizar um subsídio como um direito adquirido e fundamental, ou como parte integrante dos Direitos Fundamentais.

O outro lado da questão surge obviamente pela questão da sua constitucionalidade. Claro que é função do nosso Presidente da República zelar pelo total cumprimento da Constituição. Se existem dúvidas, é sua obrigação presidencial, pedir ao Tribunal Constitucional que se pronuncie, antes de promulgar o Decreto que o determine. Mas se neste momento é uma utopia pensar-se ser de acordo com a Constituição o corte total ou parcial dos subsídios (Natal ou férias), dever-se-á pensar numa futura revisão constitucional que já peca por se fazer tardia.

Porque faz parte do meu percurso académico, sinto que há algo mais que deveria acrescentar, aqui fica a segunda parte da minha reflexão sobre o assunto, embora seja dedicada àqueles que se interessam mais por partes mais específicas:

Discute-se, por bem ou por mal, as afirmações do Presidente da República acerca dos pretensos cortes nos próximos subsídios de Natal. Aplaude-se por um lado, as dúvidas e a sensação de querer fazer cumprir a sua obrigação, o chefe de Estado, com a suposta ameaça de pedir parecer ao Tribunal Constitucional antes de promulgar o diploma, fazendo acender uma réstia de esperança àqueles que anseiam por esse dinheiro extra, e por outro lado, há quem veja aqui uma oportunidade de acrescer algum realismo e noção de actualidade, às atitudes económicas da nossa sociedade.

Carlos Romeira disse...

Porque é que os subsídios de Natal deveriam acabar!...

– Parte 3 –

Como referi na Parte 1, defendo a eliminação por completo do subsídio de Natal. Indo mais além, alargaria a medida até ao Subsídio de Férias. Não querendo
bastantes sociais em que o direito a férias pagas não é aquisição dos trabalhadores, até porque esse direito está explicitamente referido no Texto Constitucional português, passo a explicar as razões técnicas como uma alteração à Constituição poderia ao mesmo tempo garantir os Direitos Fundamentais e caminhar rumo às realidades das Empresas da actualidade. Perdoem-me as referências técnicas, mas sinto serem imprescindíveis, para sustentar a ideia de
legalidade daquilo que estou a afirmar.

Assim sendo, e seguindo o disposto no Artº 59 da Constituição da República Portuguesa (CRP), estabelecem-se os princípios que a legislação deve seguir em
respeito aos Direitos dos Trabalhadores. Todos os tipos de Revisões à Constituição, segundo a alínea e) do Artº 288º, não podem alterar estes Direitos dos trabalhadores.

Não se estabelece no texto da CRP um regime específico para os Subsídios de Natal ou férias, mas a alínea a) do nº1, refere que “À retribuição do trabalho,
segundo a quantidade, natureza e qualidade, … de forma a garantir uma existência condigna.”. Parte-se assim, do princípio, que uma redução deste direito possa ser considerado uma inconstitucionalidade (embora me parece que as dúvidas do Presidente da República se refiram a aspectos de carácter económico/fiscal). No entanto, é injusto obrigar as Empresas a suportarem essa norma (direito a subsídio), que tem fundamento em resíduos idealistas nos quais a nossa constituição foi inicialmente formada (e muito bem), mas que tendem a ser atenuados ao longo das várias revisões, de forma a CRP das actuais
realidades.

Sendo assim, como proceder a uma revisão constitucional legal e justa? Respondendo numa linguagem menos técnica e simplificada, diluir desde já os referidos subsídios nos vencimentos mensais. Claro que na prática isso significaria um aumento dos salários mínimos, cuja salvaguarda está prevista na
alínea a) do nº 2 do Artº 59º da CRP. Mas estando diluídos esses valores mensalmente, poderiam ser encaradas como despesas correntes e regulares das rotinas das Empresas, obrigando-as a ajustar os seus lucros e finanças a essa realidade, ao mesmo tempo que se regularia a segunda parte da minha tese:
salários mais justos de forma a “garantir uma existência condigna”.

Apenas desta forma se poderia garantir uma revisão legal (porque na prática não retira quaisquer direitos aos trabalhadores), garante-se um regime mais justo às Empresas que não serão mais obrigadas a despesas extraordinárias, e aumentasse o poder de compra da população, que consequentemente terá efeitos
benéficos no crescimento da nossa economia.

Anónimo disse...

Tudo muito bem, mas essa revisão teria de ser feita 1º e com 2/3 dos deputados a votarem a favor, agora o que vemos é um atropelar dos direitos que foram sendo consagrados ao longo do tempo e em que uma determinada geração usufruiu sempre e agora essa mesma geração é expoliada sem sequer poder argumentar ou defender-se.
Não vejo que as empresas nesta fase ganhariam o que quer que fosse a não ser que se decretasse o reinvestimento do 13º e do sub.férias para a criação de emprego o que obrigaria o estado a impor-se mais ás empresas,porque de outra forma conhecendo nós o nosso empresariado sabemos para onde iria este dinheiro.
Em Portugal apenas 18% da pop activa é func. publica.
Pelo contrário sabemos nós que é nos países nórdicos onde 33% da pop activa trabalha para o estado que os serviços publicos são mais eficazes.
Por outro lado sabemos que os países com maior superavit são aqueles onde os impostos diretos e indiretos são menores libertando dessa forma recursos financ.para a criação de empresas e consequent.empregos.
Esta receita aplicada apenas vai produzir pobreza e dependência ainda maior do estado o que por sua vez gera-rá maior carga fiscal até á exaustão ou até a revolta da população.
E não é isso que queremos pois não???
Ou será esse o objectivo???
Fazer-nos cair numa espiral de violência para depois instalar nova ditadura corporativa???

Anónimo disse...

A Noruega era um país sem grandes veleidades antes de aparecer petróleo.não era sequer comparável á Suécia ou Dinamarca.
Gostaria de ver como seria sem os rendimentos do petróleo.
E falar de longe é fácil.
Os que cá estão é que têm que aguentar o barco á tona.
E só alguns é que têm culpa e vão pagar as dividas.

Carlos Romeira disse...

Caro anónimo, obrigado pela sua resposta (parto do princípio que ambos os “posts” são seus).

O seu comentário foca pontos muito interessantes e mais pertinentes para a sociedade do que poderá parecer à primeira vista.

Em primeiro lugar, porque você defende que os direitos adquiridos da população não deverão regredir. Até aí estou perfeitamente de acordo consigo. No entanto é a isso que temos vindo a assistir, com a qualidade de vida a baixar, poder de compra a diminuir, segurança social menos fiável.

Vale-nos apenas a melhoria da tecnologia e bens de consumo, para que não estejamos a viver em maior desconforto do que as gerações anteriores.

No entanto, o mundo está a mudar, e quer os governos, quer as empresas e especialmente as pessoas, pretende continuar a viver pelas mesmas orientações que viviam os nossos pais. O que está errado, porque os mercados mudam, as necessidades dos lares também, a globalização, para o bem e para o mal, é uma realidade e veio para ficar. Não acontecerá tão focalizado na nossa geração, mas a seguinte certamente que já não irá dar tanto valor ao investimento na compra de uma casa (porque a maioria vai herdá-la), na compra de um carro (porque vão ficar com o dos seus pais), etc. São estes alguns exemplos demonstrativos das mudanças futuras na sociedade devido, especialmente à estagnação, ou mesmo decréscimo da demografia. E falo num futuro próximo, fazendo fé nos resultados do último “censos”.

Com isto quero defender que os direitos não podem diminuir, especialmente os fundamentais (nem a nossa Constituição permite, como demonstrei nos “post” anteriores), mas que os moldes em que esses direitos são usufruídos pela população, devem ser revistos e adaptados aos tempos decorrentes. Se nunca fosse possível alterar nos direitos adquiridos, ainda hoje não tínhamos mexidos nos direitos feudais da antiguidade, por exemplo. Além disso, é inconcebível não se efectuarem alterações apenas porque é usufruto de uma geração, tal como defende no seu “post”. O nº 2 do Artº 13º da nossa Constituição não permite que se apliquem direitos a uma geração em prejuízo da seguinte. Então por essa ordem de ideias, qual virá a ser a fronteira temporal para se aplicarem mudanças? Porque nem todas as pessoas da mesma geração morrem ao mesmo tempo… ou nunca deverão existir mudanças? Deixar tudo na mesma, porque está bem? (salvaguarde-se os pensionistas e reformados porque esses já descontaram anteriormente segundo a perspectiva dos seus direitos).
(continua...)

Carlos Romeira disse...

(…continuação)

Reforço a ideia implícita na minha tese, de que alteração não significa regressão de direitos. Por exemplo, já não faz sentido adoptar uma política em que não exista flexibilidade de horários nas empresas. Especialmente as que se dedicam ao comércio e serviços, porque a concorrência através da via electrónica é desleal nesse sentido. Infelizmente esta é a realidade, por muito que nos custe, e se quisermos sobreviver teremos que nos adaptar a ela! Que o digam os empresários.

No entanto, torna-se apanágio dos portugueses queixarem-se pelas razões erradas. É comum queixarmo-nos por excesso de trabalho, mas não é tão comum reivindicar melhores salários. Onde está a nossa ambição? Não acha que o aumento do salário mínimo nacional merecia pelo menos o mesmo grau de indignação que os cortes no 13º mês? Não acha que o decreto que nos obriga a trabalhar mais meia hora por dia, com igual salário, é trabalho sem remuneração? Portanto ilegal!... Esses são os direitos que deveriam ser reivindicados.

Já que fala nos países nórdicos, especialmente na Noruega. Na Noruega, pagam-se apenas os meses que se trabalha, ou seja 11, porque um mês é para férias (onde não se produz). Eu não quero ser tão radical, porque teria que explicar a fórmula usada para que este sistema seja socialmente justo. E não me venham falar nos recursos naturais, porque nós, Portugal, temos a maior área marítima da União Europeia, e quotas pesqueiras ridículas. Afinal nós é que não sabemos explorar o que possuímos. Entrando na área da União Europeia, temos a Alemanha, que erradicou o ano passado o subsídio de Natal, e a Inglaterra que paga apenas 12 salários anuais. Parece-me que os direitos consagrados ao longo do tempo são especialmente práticas correntes dos países do Sul da Europa, (Portugal, Espanha, Itália e Grécia), portanto mais pobres… Coincidência?

Como será melhor vivermos? Fazendo contas ao final do mês, ou contabilizando o nosso ordenado ao final do ano? Se queremos apenas viver na ilusão do salário mensal, então porque é que os países nórdicos são destinos preferenciais pela emigração? Ali, os contractos de trabalho são contabilizados em salário anual! Pois é precisamente isso que gostaria de ver explicado às pessoas, e que defendo com esta minha ideia!

Anónimo disse...

Ao que parece fiz-me entender mal.
não defendo a estagnação nem a cristalização dos direitos adquiridos.
E também compreendo que o mundo está em mudança acelerada não só com a globalização mas também pela mudança tecnológica.
O que não entendo é que se queira fazer uma regrssão não só laboral mas também social, coisa para a qual a sociedade portuguesa não foi preparada nem sequer consultada.
As mudanças acontecem de forma natural porque o paradigma socio económico muda mas essa mudança tem que ser de forma a que toda a sociedade seja englobada e não da forma que está aser implementada em Portugal.
a desestruturação social a que vamos assistir em Portugal ultrapassará todas as que ocorreram no passado porque é uma mudança apenas economicista e não verdadeiramente politica ou estratégica.
Está consagrado na constituição o direito á saúde á educação e á justiça.
Neste portugal que vemos a aparecer só quem possuir dinheiro e conhecimentos irá ter direito ás três.
Estamos a empurrar os nossos jovens e futuro do pais para fora do país, de uma forma tal que não vão ficar cá aqueles que seriam os responsáveis pelo ressurgir e pela inovação, e quanto custaram ao país a formarem-se?Vão ser um valor acrescentado a custo zero para outros paíse que têm outra visão e sabem que a sociedade do futuro será derimida nas tecnologias,nas engenharias e nos serviços.
Portugal é o país do mundo com a 2ª mais baixa taxa de natalidade e nem os poucos que nascem cá ficarão.
Daqui por duas décadas a sustentabilidade da seg. social estará em rotura.
A geração de riqueza estará na mão de estrangeiros que apenas usarão a maõ de obra nacional como recurso e os centros de decisão estarão fora do país.
Os recursos naturais serão explorados em benefício de outros países.
O mar que nós não poderemos explorar e nem sequer defender seguirá o mesmo caminho.
A educação que deveria ser um bem não transaccionável é encarado pelo estado actual não como um factor de progresso futuro mas como uma despesa.
(CONTINUA)